Doenças Crônicas Não Transmissíveis
Desinformação em saúde nas doenças crônicas: mitos e evidências
Doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são a maior causa de morte atualmente no mundo e no Brasil. Da mesma forma, a desinformação em saúde tornou-se um dos maiores desafios da atualidade para a promoção da saúde pública com impacto direto no manejo das DCNTs (como diabetes, hipertensão e câncer). O fenômeno da desinformação ganhou maior relevância com a popularização das redes sociais, que funcionam como importantes acessos para a circulação de informações, mas também como disseminadores de conteúdos falsos ou distorcidos. Tais conteúdos exercem impacto direto sobre a percepção dos pacientes, a adesão ao tratamento e, consequentemente, os desfechos clínicos. Esse fenômeno, chamado "infodemic" (faz alusão a uma pandemia de informação), envolve o universo online contendo informações falsas, enganosas ou conteúdos imprecisos1.
Um aspecto interessante da desinformação em saúde é a propagação de mitos que contrastam com as evidências científicas. Entre os mitos mais comuns associados às doenças crônicas estão a crença de que dietas restritivas extremas ou produtos "naturais" podem substituir medicamentos prescritos para hipertensão ou diabetes, ou ainda a ideia de que terapias alternativas são suficientes para controlar o câncer. As evidências, contudo, demonstram que a adesão a terapias farmacológicas (quando necessário e com prescrição), associada a mudanças sustentadas no estilo de vida, é a forma mais eficaz de reduzir complicações e mortalidade relacionadas às DCNTs2.
Estudos apontam que a desinformação em saúde não ocorre de maneira homogênea. Uma revisão sistemática identificou que, dentre as DCNT, postagens com desinformação sobre o câncer apareciam entre as mais prevalentes2. Esse cenário é agravado por fatores individuais como letramento em saúde, capacidade de pensamento crítico e confiança na ciência. Diversos fatores estão relacionados à disseminação de conteúdos falsos, como, por exemplo, a plataforma utilizada, a idade, o nível de escolaridade e o apego ou as crenças individuais3. Em um estudo para investigar a desinformação sobre a COVID-19 no Twitter (hoje X), quase 100 grupos de especialistas em verificação de fatos analisaram dados compostos por tuítes falsos ou parcialmente falsos. Foram encontrados 1.274 tuítes falsos e 226 afirmações parcialmente falsas. Os dados também mostraram que a transmissão de desinformação no Twitter foi fortemente influenciada por perfis de organizações ou celebridades, e declarações incorretas se espalharam mais rapidamente do que alegações parcialmente falsas4.
Outro ponto relevante refere-se ao impacto psicológico da desinformação. Uma revisão de ensaios clínicos randomizados mostrou que mensagens falsas em saúde podem alterar atitudes e intenções de comportamento, influenciando negativamente a adesão a medidas preventivas ou terapêuticas5. Embora muitos desses estudos tenham sido realizados em função da pandemia e da vacinação, seus achados são extrapoláveis para as doenças crônicas, pois revelam como a exposição contínua a informações falsas fragiliza a confiança nas recomendações médicas.
Na temática do câncer, por exemplo, a disseminação de informações incorretas sobre curas milagrosas, terapias alternativas sem comprovação científica ou dietas supostamente "anticâncer" interfere na busca por tratamento adequado. Um artigo destacou que pacientes chegam frequentemente aos consultórios médicos já influenciados por conteúdos incorretos consumidos nas redes sociais, exigindo dos profissionais maior tempo e esforço para corrigir equívocos6. O mito da substituição da quimioterapia ou radioterapia por produtos naturais contrasta com a evidência científica, que mostra que tais abordagens alternativas, quando usadas isoladamente, não reduzem a mortalidade e podem atrasar tratamentos eficazes. Esse tipo de informação já foi veiculado na série "Vinagre de Maçã" (Netflix, 2025), na qual duas mulheres promovem fórmulas de bem-estar para curar doenças letais, como o câncer.
A relação terapeuta-paciente é, portanto, diretamente afetada. Profissionais de saúde relatam dificuldades crescentes em desfazer equívocos trazidos por pacientes expostos à desinformação. A sobrecarga de tempo em consultas e a necessidade de reconstruir a confiança no conhecimento científico reforçam o papel da comunicação clara e empática no enfrentamento desse fenômeno7.
Enfrentamento da desinformação: mitos versus evidências
Para enfrentar a desinformação em saúde, diferentes estratégias vêm sendo testadas. Evidências apontam que o uso de intervenções multimídia, como vídeos educativos, pode melhorar o conhecimento e a adesão ao autocuidado em doenças crônicas8. Tais recursos são mais eficazes quando adaptados ao nível de letramento em saúde do público-alvo, reduzindo a chance de adesão a mitos.
Além disso, a alfabetização digital e midiática tem papel fundamental. Um estudo recente mostrou que usuários com maior competência para avaliar criticamente conteúdos digitais são menos propensos a acreditar em desinformação, pois conseguem diferenciar informações confiáveis de conteúdos enganosos9. Assim, promover a educação em saúde e a literacia digital torna-se uma intervenção preventiva poderosa contra a desinformação.
Mitos comuns e o que dizem as evidências
Mito 1: "Produtos naturais ou dietas milagrosas curam diabetes."
Evidência: Não há comprovação de que produtos isolados curem diabetes. A evidência mostra que o controle glicêmico depende de adesão a medicamentos, dieta equilibrada e atividade física.
Mito 2: "A hipertensão pode ser controlada apenas com chás e práticas alternativas."
Evidência: Embora algumas medidas complementares possam auxiliar no bem-estar, o tratamento eficaz da hipertensão requer acompanhamento médico, uso de fármacos e mudanças sustentadas no estilo de vida.
Mito 3: "O câncer pode ser revertido apenas com terapias naturais."
Evidência: Não há evidência científica de que terapias alternativas isoladas reduzam a mortalidade ou substituam tratamentos convencionais, como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia.
Mito 4: "Correr causa desgaste nas articulações dos joelhos".
Evidência: Estudos mostram que não há risco aumentado de osteoartrite sintomática do joelho (desgaste na articulação dos joelhos) entre corredores em comparação com não corredores. Em pessoas sem osteoartrite, correr não parece ser prejudicial aos joelhos10.
A desinformação em saúde relacionada às DCNTs representa um risco para a qualidade da assistência, a adesão ao tratamento e os resultados dos pacientes. Diferenciar mitos de evidências é o primeiro passo para auxiliar pacientes e fortalecer a prática baseada em evidência. A integração desses fatores permitirá minimizar os impactos da desinformação e promover decisões de saúde mais seguras e informadas.
Referências
1. Borges do Nascimento IJ, Pizarro AB, Almeida JM, Azzopardi-Muscat N, Gonçalves MA, Björklund M, Novillo-Ortiz D. Infodemics and health misinformation: a systematic review of reviews. Bull World Health Organ. 2022 Sep 1;100(9):544-561.
2. Suarez-Lledo V, Alvarez-Galvez J. Prevalence of health misinformation on social media: systematic review. J Med Internet Res. 2021;23(1):e17187.
3. Ferreira Caceres MM, Sosa JP, Lawrence JA, Sestacovschi C, Tidd-Johnson A, Rasool MHU, Gadamidi VK, Ozair S, Pandav K, Cuevas-Lou C, Parrish M, Rodriguez I, Fernandez JP. The impact of misinformation on the COVID-19 pandemic. AIMS Public Health. 2022 Jan 12;9(2):262-277.
4. Shahi GK, Dirkson A, Majchrzak TA (2021) An exploratory study of COVID-19 misinformation on Twitter. Online Soc Netw Media 22: 100104.
5. Schmid P, Altay S, Scherer LD. The psychological impacts and message features of health misinformation: A systematic review of randomized controlled trials. Int J Psychol. 2023;58(6):749-62.
6. Fillon M. The social media cancer misinformation conundrum. CA Cancer J Clin. 2021;71(1):8-9.
7. Schmid P, Altay S, Scherer LD. The psychological impacts and message features of health misinformation: A systematic review of randomized controlled trials. Int J Psychol. 2023;58(6):749-62.
8. Tao D, Wang T, Wang T, Zhang T, Zhang X, Qu X. Video-based educational interventions for patients with chronic illnesses: Systematic review. J Med Internet Res. 2023;25:e41092.
9. Ho, K.K.W.; Ye, S. Factors Affecting the Formation of False Health Information and the Role of Social Media Literacy in Reducing Its Effects. Information 2024, 15, 116.
10. Lo GH, Driban JB, Kriska AM, McAlindon TE, Souza RB, Petersen NJ, Storti KL, Eaton CB, Hochberg MC, Jackson RD, Kent Kwoh C, Nevitt MC, Suarez-Almazor ME. Is There an Association Between a History of Running and Symptomatic Knee Osteoarthritis? A Cross-Sectional Study From the Osteoarthritis Initiative. Arthritis Care Res (Hoboken). 2017 Feb;69(2):183-191.