Envelhecimento
Demência é uma sentença?
Muitas vezes, quando falamos sobre demência, pensamos em uma doença que acomete velhinhos e que os torna completamente dependentes e indóceis. Pensamos nas crises e no fardo familiar. Pensamos na demência e na sua sentença de sofrimento até a morte. É um quadro pintado com as tintas do estigma e de muitas crenças que agora estão começando a ser revistas. Este texto é um convite para olhar para a demência através de outras lentes.
Afinal, o que é a Demência?
Para começar, precisamos entender o que, de fato, é a demência. Conforme a Associação Brasileira de Neurologia (ABN), demência é uma síndrome multifatorial que compromete a cognição, o comportamento e/ou a funcionalidade individual. Esse comprometimento interfere nas atividades de vida diária e causa um prejuízo em comparação com as mesmas capacidades no passado, sem que isso possa ser explicado por delirium ou por um transtorno psiquiátrico maior1.
Nesse sentido, não podemos olhar para a demência como se fosse uma doença aguda, que acontece de uma hora para outra. Ela é uma doença crônica, que vai se desenvolvendo e se agravando com o passar do tempo. Sua evolução é representada por etapas ou fases fluidas, cujas delimitações são difusas. Para entender melhor, a demência pode ser leve ou inicial, moderada ou intermediária, e grave ou avançada. Essas etapas se sobrepõem até estarem bem definidas. Ou seja, até ocorrer a definição de uma fase avançada, muita coisa acontece1, 2, 3.
O primeiro sinal de alerta: perda de memória
A demência frequentemente está relacionada com a perda de memória, pois este é geralmente um dos primeiros sintomas perceptíveis das síndromes demenciais. Logo, a perda de memória torna-se o primeiro sinal de alerta e tende a ocorrer período bem anterior à síndrome demencial. A pessoa entende que algo já não está mais funcionando plenamente no seu cérebro por conta dos esquecimentos1, 4. Entretando, o prejuízo também pode ocorrer em outras funções executivas, como atenção, linguagem e raciocino.
Essa é a oportunidade de ouro para buscar informação e ajuda especializada, pois várias atitudes simples podem evitar ou retardar o comprometimento cognitivo. Fazer exercício físico, ter uma alimentação saudável, socializar são exemplos de hábitos que influenciam a saúde cerebral5.
Checklist dos fatores de risco para demência: como ajudar o cérebro
Já que estamos falando sobre hábitos de vida, é importante aprendermos sobre os Fatores de Risco para Demência (FRD). Atualmente, a literatura especializada estabelece uma lista de 14 FRD que podem ocorrer ao longo da vida e que são modificáveis ou controláveis. São eles: baixa escolaridade, hipertensão arterial, colesterol LDL alto, diabetes mellitus, depressão, perda visual não tratada, perda auditiva, isolamento social, abuso de álcool, fumo, inatividade física, obesidade, poluição do ar e traumatismo cranioencefálico2.
A demência está presente em 6 a 8% da população acima de 60 anos no Rio Grande do Sul. Estima-se que, na região sul do Brasil, até 49% dos casos de demência podem ser evitados se controlarmos os FRD6. Mas, como? Hábitos simples podem ajudar muito a prevenir a demência. Aprender coisas novas, estudar, ler, brincar com jogos de raciocínio, frequentar a Unidade Básica de Saúde, fazer exames médicos periódicos, controlar a pressão arterial, o colesterol e a diabetes, fazer exercício físico, usar aparelhos corretivos para visão e audição, dançar, conversar com amigos e familiares, controlar a ingestão de álcool e não fumar. É possível começar aos poucos e agora. O corpo inteiro agradece5.
Ao final, precisamos reafirmar que, muito antes da demência ocorrer, várias atitudes podem ser tomadas para evitá-la ou atrasá-la. Ela não é mais uma sentença de sofrimento até o desenlace da vida. Ela é uma condição crônica que deve ser acompanhada e tratada para postergar a sua evolução. A ciência nos provoca a trocarmos as lentes do fatalismo para termos um olhar mais construtivo e participativo sobre o desfecho de nossa saúde cerebral.
Referências
1. Smid J, Vale TC, Nitrini R, Bahia VS, Balthazar MLF, Caixeta L, et al. Subjective cognitive decline, mild cognitive impairment, and dementia – syndromic approach: recommendations of the Scientific Department of Cognitive Neurology and Aging of the Brazilian Academy of Neurology. Dement Neuropsychol. 2022 Sep;16(3 Suppl 1):1-24.
2. Livingston G, Huntley J, Sommerlad A, Orgeta V, Costafreda SG, Cooper C, et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2024 report of the Lancet Standing Commission. Lancet. 2024 Aug 10;404(10452):572-628.
3. World Health Organization. Towards a dementia plan: a WHO guide. Geneva: WHO; 2018. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241514132
4. El Harsi E, Silva T, Almeida M, et al. Cognitive complaints in older adults in primary care and associated factors. Dement Neuropsychol. 2023;17.
5. Long S, Benoist C, Weidner W. World Alzheimer Report 2023: Reducing dementia risk – never too early, never too late. London: Alzheimer's Disease International; 2023. Available from: https://www.alzint.org/resource/world-alzheimer-report-2023/
6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Relatório Nacional sobre a Demência. Brasília: Ministério da Saúde; 2024. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_nacional_demencia_brasil.pdf