A demência é um conjunto de condições que afetam a memória, o raciocínio e outras habilidades cognitivas, sendo a doença de Alzheimer a forma mais comum de demência. Mais do que um problema de saúde pública, "demência" e "Alzheimer" são assuntos que ainda despertam medo e incertezas. Embora o tema seja amplamente discutido, persistem muitas dúvidas sobre os tipos de demência, seus sintomas e as possibilidades de tratamento.

Sabemos que envelhecer é parte natural da vida, mas é possível envelhecer de forma saudável? Seriam as demências uma consequência inevitável do envelhecimento? E o que fazer quando nos deparamos pela primeira vez com o diagnóstico de Alzheimer em alguma pessoa da família?

Para responder a essas e outras questões, conversamos com a neurologista Manuella Edler Zandoná Giordani, que explicou, de forma simples e direta, o que a ciência já sabe sobre o Alzheimer e o que todos nós precisamos conhecer sobre o envelhecimento cerebral. Acompanhe a entrevista a seguir.

1. O que torna a demência e o Alzheimer assuntos tão relevantes nos dias de hoje?

O principal motivo é que a demência está se tornando cada vez mais comum. Hoje, mais de 50 milhões de pessoas no mundo vivem com algum tipo de demência, e esse número deve triplicar nas próximas décadas. Isso traz um impacto socioeconômico gigante - afinal, quem vai cuidar desses pacientes? Como poderemos oferecer esse cuidado da melhor forma possível?

Além disso, existe um medo muito grande por trás desse tema - o medo de perder quem a gente é, já que a memória faz parte da nossa identidade. Por isso, as pessoas querem saber o que podem fazer para evitar a doença - e isso torna o assunto ainda mais relevante.

2. Qual a diferença entre demência e Alzheimer?

Eu costumo dizer que demência é um termo guarda-chuva, ou seja, engloba várias doenças diferentes, e a Doença de Alzheimer é só uma delas. Ter demência significa ter uma perda da capacidade cognitiva (das funções cerebrais), como na memória, na linguagem, na orientação, no raciocínio, a ponto de isso começar a atrapalhar as atividades do dia a dia.

Já a Doença de Alzheimer é a causa mais comum de demência, responsável por mais de 80% dos casos. Existem outras causas também, como a demência vascular, demência frontotemporal, demência por corpos de Lewy.

3. Como saber se uma pessoa está com Alzheimer?

O sinal de alerta é o esquecimento — a pessoa começa a esquecer acontecimentos recentes, repetir perguntas ou histórias, perder objetos dentro de casa. Claro que aqui é importante lembrar que pequenas falhas podem acontecer com o envelhecimento, afinal, nosso cérebro também muda com o tempo — ele reduz de tamanho e diminui sua conectividade. A diferença está quando esses esquecimentos passam a atrapalhar no dia a dia — quando a pessoa deixar de conseguir fazer a mesma atividade que sempre fez, dentro ou fora de casa, pelos esquecimentos.

Eu vou deixar uma "colinha" para ajudar vocês a diferenciarem o que é um esquecimento normal e o que merece atenção. No esquema apresentado abaixo, as atividades que constam com o símbolo de "joinha" (polegar para cima) não consistem necessariamente em problemas e podem ser comuns a diversas pessoas. As atividades com o "joinha" (polegar) virado para baixo, por outro lado, consistem em pontos de atenção.

Diferença entre esquecimentos normais e sinais de alerta
Esquecimentos normais vs. sinais de alerta para Alzheimer.

4. Quais são as formas de diagnóstico do Alzheimer?

O diagnóstico é feito com base na história clínica, nos resultados de testes de memória e de raciocínio, e nos exames de imagem e de sangue. Em alguns casos, usamos exames mais específicos, como a análise de líquor e PET-CT (são os biomarcadores da Doença de Alzheimer), que ajudam a confirmar o diagnóstico. O mais importante é procurar um especialista que possa avaliar este conjunto de informações e chegar à conclusão correta.

5. O Alzheimer é hereditário?

A maioria dos casos não é hereditária. Existe, sim, uma predisposição genética, ou seja, pessoas com familiares com Doença de Alzheimer têm um risco maior do que a população em geral, mas isso não significa que elas vão desenvolver a doença.

Além disso, existem formas raras de Alzheimer, chamadas de hereditárias, que realmente passam de geração para geração, mas esses casos representam menos de 1% do total. Nos outros 99%, a doença é resultado de uma combinação de fatores — idade, estilo de vida, fatores de risco cardiovasculares, reserva cognitiva etc. Então, ter alguém na família com a Doença de Alzheimer não quer dizer que a pessoa vai ter também.

6. Qual é a forma mais efetiva para tratar o Alzheimer?

Eu diria que o ponto mais importante é a educação. Para nós conseguirmos cuidar de um paciente com a doença — e de todo o seu círculo de apoio — é essencial que todos entendam a doença. Saber quais são os sintomas, qual a evolução esperada, o que fazer em cada situação, quais objetivos alcançáveis com o tratamento faz toda a diferença. Quando o paciente e a família compreendem o que está acontecendo, o cuidado se torna muito mais leve e eficaz.

A doença ainda não tem cura, mas usamos uma combinação de medicações específicas que ajudam no controle dos sintomas da doença. Além disso, o cuidado multidisciplinar é FUNDAMENTAL — acompanhamento da alimentação e da deglutição, reabilitação / reforço físico, estimulação cognitiva, ajuste das atividades cotidianas conforme funcionalidade (pela equipe de terapia ocupacional), acompanhamento clínico / geriátrico etc.

Em abril de 2025, a Anvisa aprovou o donanemab, a primeira droga com potencial de modificar a doença. Ainda há, no entanto, muitos desafios para que ele seja usado na prática — o tratamento tem custo muito alto, exige uma infraestrutura complexa com diversos exames específicos, os resultados ainda são frustros, e existe um risco importante de efeitos adversos.

7. Como prevenir o surgimento de Alzheimer?

Tem um estudo muito legal que saiu na revista The Lancet em 2024 justamente falando sobre isso — prevenção, intervenção e cuidado nas demências em geral. O estudo mostrou que até 45% dos casos de demência são potencialmente evitáveis com controle de fatores de risco. E o mais legal é que eles dividiram estes fatores conforme a fase da vida — infância e juventude, meia-idade e idade mais avançada. Então, eu vou explicar dessa forma.

📚 Infância e juventude: escolaridade

💪 Meia idade: perda auditiva, colesterol LDL elevado, depressão, traumatismo craniano, sedentarismo, diabetes, tabagismo, hipertensão, obesidade, consumo de álcool excessivo.

👴 Idade avançada: isolamento social, poluição do ar, perda visual.

Ou seja, o segredo é começar cedo: o que vocês estão fazendo hoje para proteger o seu cérebro no futuro?

Sobre a Entrevistada

Dra. Manuella Edler Zandoná Giordani

Médica neurologista formada pela PUCRS, especialista em Distúrbios de Movimento pelo HCPA, Mestra em Ciências Médicas pela UFGRS, Doutoranda no mesmo programa, preceptora do Serviço de Neurologia do Hospital Mãe de Deus e professora da Faculdade de Medicina da Ulbra.