A obesidade é considerada um dos maiores desafios de saúde pública da atualidade. Mais do que uma questão estética, trata-se de uma condição crônica que aumenta o risco de diversas doenças, como diabetes tipo 2, hipertensão e problemas cardiovasculares. O tratamento envolve mudanças no estilo de vida, mas, em alguns casos, o uso de medicamentos pode ser um aliado importante.

Nos últimos anos, novas opções de fármacos surgiram e ganharam destaque, mas junto com as novidades também surgem dúvidas: Quem pode usar? Quais são os riscos? É possível manter os resultados a longo prazo?

Para esclarecer essas questões, conversamos com o endocrinologista Dr. Iuri Goemann, que explicou de forma simples e direta quando os medicamentos são indicados, como funcionam, quais os cuidados necessários e quais são as perspectivas para o futuro do tratamento da obesidade.

Confira abaixo as principais perguntas e respostas sobre o tema.

1. Sou uma pessoa com sobrepeso e gostaria de perder peso, o que eu devo fazer?

Quando a pessoa com sobrepeso ou obesidade decide perder peso, é indicado procurar auxílio de um profissional da saúde para tanto. Em alguns casos, o acompanhamento nutricional é suficiente. Mas em muitos casos o acompanhamento multidisciplinar com endocrinologista, nutricionista e educador físico é o mais indicado, tanto para avaliar se há causas metabólicas e orgânicas contribuindo para o ganho de peso, quanto para avaliar a necessidade de uso de medicações para auxílio na perda de peso. É importante que a pessoa entenda que o processo de perda de peso é longo, e envolve abordagem nutricional, psicológica, de incorporação de atividade física, nutrição e médica para que tenha sucesso a longo prazo.

2. Quando é que o uso de medicamentos para emagrecer é realmente indicado?

O objetivo da terapia para obesidade, seja ela medicamentosa ou não, é prevenir, tratar ou reverter as complicações da obesidade e melhorar a qualidade de vida. Para pacientes que não conseguem atingir as metas de perda de peso apenas com uma intervenção abrangente no estilo de vida, as opções incluem tratamento farmacológico ou cirúrgico. O tratamento farmacológico pode ser considerado para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 30 kg/m², com IMC entre 27 e 29,9 kg/m² associado a comorbidades relacionadas ao peso, ou ainda em casos de adiposidade central (ex.: circunferência abdominal aumentada) acompanhada de comorbidades relacionadas ao peso. A decisão de iniciar a terapia farmacológica deve ser individualizada e tomada após cuidadosa avaliação dos riscos e benefícios de todas as opções terapêuticas. A escolha do fármaco antiobesidade depende da eficácia e dos efeitos adversos da medicação; das contraindicações, comorbidades e preferências do paciente.

3. O que são os medicamentos injetáveis ("canetas") e como eles funcionam no corpo?

Os medicamentos injetáveis para tratamento da obesidade são fármacos aplicados sob a pele (geralmente no abdome, coxa ou braço). Os disponíveis atualmente no Brasil pertencem à classe dos agonistas do receptor do GLP-1 (Peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1), como liraglutida e semaglutida, ou a agonistas duplos de GLP-1/GIP (Polipeptídeo insulinotrópico dependente da glicose), como a tirzepatida. Eles imitam hormônios naturais do intestino (incretinas) que regulam o apetite e a saciedade, atuando no cérebro para reduzir a fome, retardando o esvaziamento gástrico e auxiliando no controle da glicemia. Dessa forma, promovem menor ingestão calórica e favorecem a perda de peso.

4. Esses remédios são seguros? Quais os efeitos colaterais mais comuns?

De forma geral, os medicamentos injetáveis são considerados seguros quando usados sob acompanhamento médico. Foram "inventados" para tratamento de pacientes com diabetes. Dessa forma, possuem um perfil de segurança bem maior em relação à medicamentos que usávamos para perda de peso em décadas passadas. Os estudos clínicos demonstram benefícios importantes, não apenas na redução de peso, mas também na melhora do controle glicêmico e, em alguns casos, na redução do risco cardiovascular, melhora de gordura no fígado, apneia do sono, osteoartrose, entre outras doenças associadas ao excesso de peso.

Os efeitos adversos mais comuns são gastrointestinais, especialmente no início do tratamento: náuseas, vômitos, diarreia, constipação e dor abdominal leve. Em geral, esses sintomas tendem a diminuir com o tempo ou com ajuste gradual da dose.

Eventos mais raros incluem pancreatite, alterações na vesícula biliar e, em alguns estudos aumento de problemas oculares.

5. O tratamento com medicamentos pode substituir dieta e atividade física ou deve ser sempre combinado?

O tratamento inicial da obesidade baseia-se em uma intervenção abrangente no estilo de vida, que combina dieta, exercício físico e terapia comportamental. O tratamento medicamentoso nunca substitui isso, são sempre complementares. A modificação comportamental desempenha papel essencial nesse processo, pois facilita a adesão à dieta e a medicações e ao programa de atividade física. Ela inclui estratégias como automonitoramento regular da ingestão alimentar, da prática de exercícios e do peso corporal. Além disso, para pacientes que já perderam peso, a atividade física é fundamental no processo de manutenção do peso perdido.

6. É verdade que muitas pessoas voltam a ganhar peso depois de parar o remédio? Por quê?

Sim, isso é verdade. Muitas pessoas que interrompem o uso de medicamentos para emagrecimento acabam recuperando parte do peso perdido. Isso acontece porque a obesidade é uma doença crônica e multifatorial, na qual o organismo possui mecanismos de defesa que tendem a favorecer a recuperação do peso original. Entre esses mecanismos estão o aumento da fome, a redução da saciedade e a diminuição do gasto energético após a perda de peso.

É importante esclarecer que o reganho de peso não ocorre por causa da medicação em si, mas sim porque, ao interromper o tratamento, o corpo deixa de receber a ajuda adicional que o medicamento fornecia no controle do apetite e da saciedade. Assim, o indivíduo volta a ficar mais exposto aos mecanismos biológicos que favorecem o ganho de peso. Entendemos atualmente a obesidade assim como entendemos hipertensão, depressão e outras doenças crônicas. O tratamento a longo prazo é necessário. Por isso, esses medicamentos são geralmente indicados para uso prolongado, como parte de uma estratégia contínua de tratamento.

7. Quais são as novidades e as principais esperanças para o futuro no tratamento da obesidade?

Na verdade, as principais novidades no tratamento da obesidade já estão acontecendo e mudaram a forma como cuidamos dessa doença crônica. Nos últimos anos, surgiram medicamentos injetáveis altamente eficazes, como os agonistas de GLP-1 e os agonistas duais GLP-1/GIP, como comentado acima. Esses fármacos representam um verdadeiro marco no manejo da obesidade, pois conseguem promover uma perda de peso muito mais expressiva do que as terapias anteriores, além de trazerem benefícios adicionais, como melhora no controle do diabetes tipo 2 e redução do risco cardiovascular. Em breve teremos diversas novas moléculas que atuam em diferentes fatores causais da obesidade, como agonistas triplos, medicações que atuam no gasto energético (aumentando) e medicações que aumentam massa muscular além de promover redução de massa adiposa. O futuro próximo caminha para o desenvolvimento de combinações de diferentes medicações, capazes de potencializar ainda mais os resultados e atingir pacientes com diferentes perfis de resposta. Também se destacam as pesquisas em formulações orais e de longa duração, que podem facilitar a adesão ao tratamento, reduzindo a necessidade de aplicações frequentes. Outro avanço esperado é a personalização da terapia, considerando fatores genéticos, o microbioma intestinal e características metabólicas de cada paciente, o que permitirá indicar a medicação mais adequada para cada indivíduo.

Sobre o entrevistado

Dr. Iuri M Goemann, MD. PhD. Endocrinologista e Endocrinologista Pediátrico. Professor do Curso de Medicina na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da Pós-graduação em Endocrinologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Preceptor do Ambulatório de Tireoide do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Possui Doutorado e Pós-Doutorado pela UFRGS. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3160946089614122. E-mail: igoemann@gmail.com