A Saúde Única – tradução do termo em inglês One Health – é uma abordagem que reconhece a interdependência entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde dos ecossistemas1. Essa perspectiva reforça que as fronteiras entre esses campos são permeáveis, pois todos compartilham os mesmos ambientes e estão expostos a riscos comuns. Em outras palavras, não é possível pensar em saúde de forma isolada: o bem-estar de cada uma dessas esferas influencia diretamente as demais.

Embora o conceito de Saúde Única não seja recente, ele ganhou destaque nos últimos anos diante de acontecimentos globais que expuseram de forma clara essa conexão. A pandemia da Covid-19 é um exemplo marcante: a destruição de florestas e a degradação de ecossistemas intensificam o contato entre animais silvestres, animais domésticos e humanos, ampliando o risco de transmissão de doenças entre espécies. O coronavírus, que circula em morcegos e outros animais, encontrou nesse cenário condições favoráveis para chegar até as populações humanas2. Assim como ocorreu com a COVID-19, outras condições de saúde causadas por microrganismos sofrem influência de fatores ambientais e das mudanças climáticas. O aumento das temperaturas, por exemplo, favorece a proliferação de mosquitos transmissores de doenças como dengue, zika e chikungunya. A elevação do nível dos rios e enchentes cria condições propícias para a disseminação da leptospirose. Já a escassez de água e a piora na qualidade do ar podem ampliar a propagação de infecções respiratórias, como pneumonias e tuberculose. Neste contexto, um estudo demonstrou que 58% das doenças infecciosas enfrentadas pela humanidade em todo o mundo foram, em algum momento, agravadas por desafios climáticos3.

Além das doenças infecciosas, o aumento do efeito estufa, provocado por atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a expansão agrícola, tem elevado as temperaturas globais, alterado os regimes de chuva e intensificado eventos climáticos extremos. Essas transformações impactam a saúde humana de diferentes maneiras: a piora na qualidade do ar aumenta a incidência de doenças respiratórias crônicas como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica; ondas de calor intensificam casos de desidratação, insolação e agravam doenças cardiovasculares; secas e enchentes comprometem a produção de alimentos, ampliando a insegurança alimentar e a desnutrição4. Ainda, situações de desastre estão associadas a traumas psicológicos, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão5. Assim, as mudanças climáticas não apenas afetam o risco de infecções, mas repercutem de forma ampla no bem-estar físico e mental das populações.

Esses impactos, entretanto, não ocorrem isoladamente: eles são agravados por um outro fator global — a desinformação. Reconhecida como uma das maiores ameaças à saúde, ela compromete tanto o enfrentamento de doenças quanto a adoção de medidas de mitigação climática. A circulação de informações falsas sobre vacinas tem permitido o retorno de doenças antes controladas, como sarampo e poliomielite. No campo climático, a negação da ciência e a disseminação de discursos que retardam políticas ambientais, muitas vezes guiados por interesses políticos ou econômicos, ampliam os riscos e dificultam a proteção da saúde das populações6.

Assim, a Saúde Única nos lembra que tudo está conectado. Cuidar do meio ambiente, proteger os animais e fortalecer políticas públicas de saúde baseadas em evidências são ações indispensáveis para prevenir desequilíbrios e futuras pandemias. Da mesma forma, combater a desinformação é essencial: notícias falsas podem comprometer campanhas de vacinação, estimular a negligência em medidas preventivas e colocar em risco a saúde coletiva. Cada pessoa tem um papel nesse processo. Reduzir o desmatamento, apoiar práticas sustentáveis, exigir políticas públicas baseadas na ciência e promover a informação de qualidade são passos fundamentais para garantir um futuro mais saudável – não apenas para os seres humanos, mas para todas as formas de vida no planeta.

Referências

1. World Health Organization. One Health [Internet]. Geneva: WHO. 2025. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/one-health.

2. Ruckert A, Zinszer K, Zarowsky C, Labonté R, Carabin H, et al. What role for One Health in the COVID-19 pandemic? Can J Public Health. 2020;111:641-4.

3. Mora C, McKenzie T, Gaw IM, Dean JM, von Hammerstein H, Knudson TA, et al. Over half of known human pathogenic diseases can be aggravated by climate change. Nat Clim Chang. 2022;12:869–75.

4. Campbell-Lendrum D, Neville T, Schweizer C, et al. Climate change and health: three grand challenges. Nat Med. 2023;29:1631–8.

5. Morganstein JC, Ursano RJ. Ecological disasters and mental health: causes, consequences, and interventions. Front Psychiatry. 2020;11:1.

6. Chen L. Combatting climate change misinformation: current strategies and future directions. Environmental Communication. 2024;18(1-2):184-90.